Alexandra Canta Paulo Cesar Pinheiro
|
5 de mar. de 2013
O jornalista Pedro Sobrinho nos contemplou com esta belíssima reportagem sobre o CD Festejos! Confira:
Texto original no blog: Pedro Sobrinho
A cantora
Alexandra Nícolas gravou “Festejos”, o primeiro disco de uma carreira que
iniciou há duas décadas. O trabalho é autoral e traz treze faixas inéditas
presenteadas a ela pelo compositor Paulo César Pinheiro, parceiro de nomes como
Elis Regina, Clara Nunes, Tom Jobim, Ivan Lins, João Bosco, Edu Lobo e Dorival
Caymmi. Como uma artista que vai aonde o povo está, Alexandra se permitiu
a uma sabatina, na última segunda-feira (25), feita por alunos do 2º
período do Curso de Jornalismo da Estácio São Luís. Ela destacou a trajetória,
a importância do disco em sua vida e do show de lançamento que ocorre
nesta quinta (7) e sexta (8), a partir das 21h, no Teatro Artur Azevedo.
- A minha
trajetória de vida e com a música são cheia de nuances. Fui criada por três
mulheres – a mãe, a tia e a avó. Fui influenciada pela minha mãe que gostava de
cantar e foi em uma tertúlia que meus pais se conheceram. Desde cedo peguei o
gosto pela música. Eu canto desde criancinha. Eu me lembro, muito nova, de
cantar músicas de Nelson Gonçalves, Silvio Cesar, Elizete Cardoso, Clara Nunes,
Rita Lee, Novos Baianos, Genival Lacerda, Elba Ramalho”, cita entre o gosto
musical e referências que permanecem até hoje.
Acreditando
nos sonhos, a adolescente Alexandra chegou a largar o curso de Pedagogia e foi
ao Rio de Janeiro estudar canto, dança e teatro. “Todos os lugares em que eu
podia cantar eram à noite e eu tinha que voltar para casa antes da meia
-noite’, lembra e brinca ao se referir a história de Cinderela.
Alexandra só
pôde mudar-se para um apartamento quando passou no vestibular para
Fonoaudiologia, profissão em que se formou e exerceu por pouco mais de 10 anos
– a música sempre em paralelo e importante na vida dela. Após coordenar o curso
de fonoaudiologia em uma faculdade particular em São Luís, ela deixou a
profissão. Da música, também afastou-se, temporariamente, apenas para
dedicar-se às primeiras infâncias de seu casal de filhos, hoje com sete e seis
anos. Agora, ela retoma a música com o disco e a promessa de encarar a
atividade como profissão.
- Tudo o que
fiz até hoje foi por necessidade, por amor, por que eu não consigo fazer nada
que eu não pense em fazer bem feito. Festejos foi um filho concebido de uma
gravidez demorada. E só agora nasceu e quero mostrar para o Brasil, e se
possível para o mundo – assegurou. Depois de São Luís, Festejos
percorrerá as regiões Norte e Nordeste, além de São Paulo. O Rio de Janeiro
deve encerrar a turnê, cujas datas serão anunciadas em breve.
Os músicos
que tocaram com ela em Festejos, todo gravado no Rio de Janeiro, irão
acompanhá-la na turnê de lançamento do disco pelo Brasil. “Todos confirmaram
que seguirão comigo”, emociona-se. Estarão no palco com Alexandra os seguintes
músicos: Adelson Viana (sanfona), Arlindo Carvalho (percussão), Celsinho Silva
(percussão), Dirceu Leite (flauta, picolo), Durval Pereira (percussão), João
Lyra (arranjos, violão, viola), Julião Pinheiro (violão sete cordas), Luciana
Rabello (cavaquinho e produção musical), Magno Júlio (percussão), Marcus Tadeu
(percussão), Maurício Carrilho (arranjos, violão sete cordas), Paulino Dias
(percussão), Pedro Amorim (bandolim) e Zé Leal (percussão).
Presente
Indagada pela
ligação e da escolha de cantar a poesia de Paulo César Pinheiro, Alexandra
disse que já gosta do compositor, principalmente suas parcerias com Mauro
Duarte, Sivuca e João Nogueira. Ela conta que num encontro com Luciana Rabelo,
mulher de Paulo César, confidenciou que gostaria de prestar uma homenagem à
cantora Clara Nunes.
- Então você
quer homenagear a Clara Nunes? Mas você gosta da cantora ou do compositor?”,
indagou Luciana Rabello ao notar que nove das 16 músicas do roteiro eram de
Paulo César Pinheiro. “Eu tenho certeza que Clara Nunes ia adorar este show se
você pudesse transcender isso. Você precisa se mostrar como artista, sair de
detrás dela. Eu recebo 80 e-mails por dia de gente querendo homenagear Clara”,
aconselhou-a. “Paulinho [forma carinhosa como se referem ao compositor
maiúsculo] tem mais de 2.000 canções. Se quiser eu te dou tudo inédito”,
ofereceu.
Luciana
Rabello acabou por descobrir a voz autoral de Alexandra Nicolas, mesmo esta não
sendo compositora, e assumiu a função de diretora musical de Festejos.
“Ela foi uma bênção de Deus na minha vida”, diz Nícolas.
A ideia de
gravar “Festejos” surgiu logo após Alexadra Nícolas ter feito o show “Senhora
das Candeias”, em 2009, no Teatro Artur Azevedo. Ela interpretou canções
inéditas, cedidas especialmente de presentes para Alexandra por Paulo César
Pinheiro. O show foi idealizado por Luciana Rabello, e teve como diretor
musical Celson Mendes e Urias de Oliveira como diretor artístico.
- Festejos é
um disco que veio até a mim. Ele me escolheu. Este é um disco de músicas com
letras fortes que tocam a mim em todos os sentidos. O disco é uma festa. Só tem
alegria – define.
Faixa a Faixa
1. Mironga
(Paulo César Pinheiro):
“É uma música que abrange todas elas [as mulheres], uma espécie de resumo do
disco. São os homens tocando tambor para as mulheres dançarem e festejarem. É
uma música completamente masculina, mas eu consigo ver a mulher nela, as
mulheres que dançam ao som do tambor. Ele descreve, na verdade, a maneira de
tocar, como se aprende a tocar um tambor. No final ele diz que tem mironga aí,
ou seja, tem algo muito especial na maneira de tocar. “Tem quem bate e faz
zoeira/ tem quem toca como quê/ quem comprou tambor na feira/ esse não sabe
bater./ Foi no couro e na madeira/ que me disse um alabê/ tocador de capoeira/
não é de maculelê”. Então ele começa a fazer uma série de pontuações no ato de
tocar tambor e as mulheres, como ele diz no texto que me apresenta, estão
mirongando ao som do tambor. Mironga é uma festa!”
2.
Balacoxê de Iaiá (Paulo César Pinheiro): “Na hora em que eu li o título eu fiquei imaginando um
bumbum enorme de Iaiá. Na verdade, Balacoxê veio por essa sensualidade, de
cortar cana, da mulher, e eu fiquei fascinada, por que a maneira como Paulo
cantou essa canção, o que eu ouvi, é como se estivesse na fala dele, essa
mulher, Iaiá, que corta cana, que “bota a roda pra rodar/ eu só vejo esse
desenho na cintura de Iaiá”. Foi uma canção em que eu me vi. Me perguntei, meu
Deus, será que eu vou cantá-la eu vendo Iaiá ou eu sendo Iaiá? Eu acho que de
todas que eu cantei, eu era a Iaiá. Tava em mim, passava por mim, essa história
de “como eu vejo, com o punho nas cadeiras/ Iaiá fazer”. Essa descrição pra
mim, essa mulher, essa Iaiá, ela é incrível”.
3.
Passista (Paulo César Pinheiro):
“Foi o primeiro refrão que me chamou muito a atenção: “seu povo já foi do
cativeiro/ mas hoje que o samba é uma nobreza/ é ela que reina no terreiro/ do
samba outra vez virou princesa”. Achei muito forte ele ter trazido como o povo
dela sofreu e como hoje ela é uma rainha, comanda o samba na escola. Isso me
fascinou, saber que tem muita gente que vai pra vê-la. O samba trouxe essa
majestade pra ela”.
4.
Coqueiro novo (Paulo César Pinheiro):
“Foi a praia daqui. Uma homenagem à minha praia, à praia em que eu cresci, em
que eu brinquei na areia e, lógico, às morenas do Cabedelo, na Paraíba, às
quais ele se refere, que fazem acessórios com a palha do coqueiro, vivem disso.
São mulheres sofridas, mas quando escuto, eu me vejo na praia, sombra, vento
nos cabelos e água fresca. Uma valorização do trabalho dessas mulheres, transformando
a palha em objetos, bolsas, cintos, acessórios femininos”.
5.
Presente de Iemanjá (João Lyra e Paulo César Pinheiro): “Quando Luciana me mostrou ela falou
de uma pessoa que tinha que dirigir os arranjos do disco, chamada João Lyra
[que assina parte dos arranjos, violões e viola do disco]. A primeira vez que o
ouvi cantando, fiquei fascinada por ele, com a alegria que ele põe na canção. E
eu ouvi Presente de Iemanjá com ele cantando e me remete à fartura. Quando fala
de “jogar a rede pro céu/ e a rede cai no mar/ o que cai na rede é peixe/ é
presente de Iemanjá”, isso me vem como abundância, as mulheres tendo o que
comer, os homens saem para pescar e trazem o pão de cada dia, o peixe para
fazer o almoço. Eu me vejo numa vila de pescadores. Ele trouxe um arranjo
fantástico com Toré de índio pra canção, ficou muito forte. Tem o canto pra
sereia, por trás de tudo isso, que é muito marcante. Eu não cantei orixás no
disco, mas cantei pra Iemanjá, que pra mim sempre foi uma mulher encantadora,
embora eu de início não soubesse bem o que era um orixá. Eu sabia que ela vivia
no mar e eu sempre lembro da Iemanjá da Ponta D’Areia toda vez que eu canto”.
6.
Lavadeira (Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro): “Paulinho me mostrou essa canção, eu
já fascinada pelas mulheres, e ele não me contou que ia me mostrar. Eu tava na
cozinha da casa dele, comendo, e ele colocando músicas, que ele adora. Quando
eu ouvi isso na cozinha eu saí correndo pra sala, “Paulinho, o que é isso?”, e
ele já com o sorrisão aberto, por que sabia que eu ia me interessar pela
música. Pedi pra ele botar de novo, ele botou. Eu ouvi na voz da Andréia, que é
uma cantora que gravou a música. A Luciana perguntou, “mas Alexandra vai
gravar? Já gravaram!” E ele disse “não importa. A Andréia sumiu. É ela
[Alexandra] quem vai fazer essa música aparecer”. É a canção mais
cinematográfica do disco, descreve tudo o que uma lavadeira faz. É de uma
sensualidade, de uma sensibilidade tão profunda. A lavadeira passa a ser uma
deusa em vez de uma simples lavadeira. Luciana faz um cavaquinho que dói na
alma, Mauricio Carrilho fez o arranjo perfeito e ainda criou um canto para a
lavadeira: “Lá lá lá ia lá ia/ Madalena foi lavar” e vai embora”.
7. Roda
das sete saias (Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro): “Eu ouvi cantada por Roque Ferreira,
em uma das minhas viagens ao Rio, me apaixonei pela festa. Ela tem oito
minutos, é um samba de roda fantástico. Fala das festas populares, tudo o que é
cantado nas rodas das festas. Imagina um festejo acontecendo num terreiro, numa
casa de festa… os grupos se formam a partir das afinidades: uma roda de samba
aqui, uma caixeira tocando ali. Versos que surgem dessas afinidades da festa
compondo um samba de roda com a música de Roque Ferreira, a letra de Paulo
César Pinheiro e o arranjo de Maurício Carrilho. Eu costumo dizer que não sinto
os oito minutos. Termino de cantar e pergunto: “vixe, já foi?” Ela foi uma
música muito eleita aqui na minha terra. Fiz uma sessão com os compositores
para ouvirmos o disco e muita gente gostou dela, por que ela é forte, ela
lembra a gente, ela é muito Maranhão, é nossa…”
8. Coco da
canoa (João Lyra e Paulo César Pinheiro): “Eu sou apaixonada por coco. Eu fui atrás de outro
coco. Eu já tinha um coco no disco, acho um ritmo que mexe muito comigo. Quando
eu era pequena, eu ia para a Rua Grande, e tinha uma cega que cantava um coco
com um chocalhinho. Eu cresci com o coco muito presente na minha vida, mamãe
sempre cantava em casa. Eu busquei mais um coco e como eu já tava encantada com
o trabalho do João Lyra, com a alegria que ele emprega nas coisas, foi uma das
canções que eu trouxe. Ela fala de um flerte na praia, de uma mulher faceira
que não sabemos bem se é uma mulher ou uma sereia encantada. Gostei muito desse
coco meio embolado, gostoso demais”.
9. Coco
(Paulo César Pinheiro):
“O coco é uma paixão. Ele é um trava-língua e a Luciana me mandou como um
desafio para uma fonoaudióloga [risos]. Quando eu ouvi, pensei: “não vou
conseguir cantar nunca!” É muita coisa e tudo muito rápido. Quando cantei e vi
que o teatro todo cantou de novo… eu ensinei apenas uma vez e quando cantei a
segunda parte todo mundo riu de tão embolado que tudo fica… e lindo… Fala de
quebrar o coco, das quebradeiras de coco, a maneira como quebram o coco, que
fazem a roda. Eu ia muito pra Pinheiro passar férias e comia muito coco babaçu.
E pra mim não valia comer coco babaçu guardado, que mofa. Eu queria ver era ver
o coco babaçu tirado por dona Mariazinha, que trabalhava na casa de meu pai, e
a gente ia lá para um cantinho do quintal, debaixo duma árvore, quebrar coco”.
10. Bisavó
Madalena (Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro): “Foi outra pescaria. Paulinho já
atrás dos seus tesouros guardados e ele tentava falar para mim como era a
canção. Mas como não vou me apaixonar por uma música que fala da bisavó de
Wilson das Neves? Que rodou o Brasil inteiro, que era dançarina de primeira e
rodou o país dançando todos os ritmos e era boa de gogó, de samba, de bumba meu
boi… quando ouvi fiquei encantada pela música. Wilson já gravou e eu não
resisti, por que ela dá um resumo dessa matriarca que recebe esse festejo. E eu
pretendo abrir o show com ela”.
11.
Soberana (Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro): “Wilson das Neves novamente. Essa
música eu me lembro de Paulinho, ele não só me mostrou, mas ele dançou, me
mostrando como eu devia fazer no palco com minha saia. Foi a maneira mais
poética, mais romântica, mais soberana que eu vi um homem falar de uma mulher.
Eu acho que qualquer mulher no mundo dava qualquer coisa para ser essa mucama à
qual ele se referiu. Ela “nunca foi mucama de qualquer laia”. É a música que
mais mexe comigo no disco. É a minha música! Eu sou apaixonada… As pessoas
perguntam “qual é a música de trabalho?” Eu só digo Soberana. Eu sei que existe
essa mulher, até por que eu sei de muitas mulheres que são soberanas. Mas você
chega a duvidar, de tão incrível que ela é, você se pergunta, “é tudo isso?”,
por que sempre escapa algo, ela é incrível”.
12. Ava
Canindé (Paulo César Pinheiro):
“Foi um Divino Espírito Santo que foi trazido para mim. Luciana mandou
propositalmente, pois sabia que eu fui imperatriz na infância [em festejos do
Divino, em Pinheiro, pagando promessas de sua mãe]. Eu sempre falo que vejo as
mulheres indo para as festas do divino, as caixeiras, as arrumadoras da
bandeira, e ela fala da simplicidade e da organização dessa festa. O dia a dia,
como as pessoas se vestem, como chegam, descreve a cidade, a igrejinha. E João
Lyra trouxe o que há de mais surpresa no disco, o arranjo dessa música. Para
quase todos os músicos ela é a mais forte. João não conhecia a batida do Divino
Espírito Santo, e no entanto ele trouxe sopros, viola. Ficou muito linda,
simples, nostálgica. Para eu conseguir cantá-la do jeito que eu cantei eu me
imaginava com João e Paulinho, em um morro bem alto, olhando lá de cima para
esta cidade e cantando”.
13. São
Luís do Maranhão (Paulo César Pinheiro): “A maneira como Paulo descreve o Maranhão, a impressão
que a gente tem é a de que ele estava aqui, e de uma maneira também muito
cinematográfica. Você consegue ver o boi de uma forma tão simples. Cantar minha
terra foi uma honra, com a letra dele, então. E ele não conhece. Conhece
através de Josué Montello e é capaz de conhecer até mais que eu, por que
Paulinho quando vai em um assunto, ele vai fundo, vai além, muito além… Pra mim
foi um presente, ele interferiu nesse arranjo, ele estava presente nessa
gravação, acompanhou de perto [o saudoso parceiro João Nogueira era, até então,
o último artista visitado por Paulo César Pinheiro em estúdio durante a
gravação de um disco]. E nada como o nosso mestre Arlindo Carvalho para dirigir
e dar esse toque de Boi de Pindaré. Ela fecha o disco, fecha com minha terra,
fecha onde nasci, fecha com São Luís”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário